O que é preciso fazer para ampliar e garantir a sustentabilidade financeira de uma organização? Afinal, o momento é favorável ou não para mobilizar recursos? Quais são as principais oportunidades para que iniciativas de impacto avancem?
Para debater essas questões, a Mobiliza promoveu no dia 7 de novembro a roda de conversa “Modelo de financiamento autêntico”, com a presença de diversos especialistas, como Celia Cruz, diretora-executiva do Instituto de Cidadania Empresarial – ICE; Fábio Deboni, gerente-executivo do Instituto Sabin; Val Rocha, coordenadora de relacionamento do Instituto Elos; e Luis Vieira da Rocha, diretor-presidente da organização Doutores da Alegria.
O encontro marcou o lançamento de duas iniciativas da Mobiliza. A primeira delas, realizada em parceria com a Trackmob, é a nova plataforma “Avaliação de ONGs”, que acaba de entrar no ar numa versão beta. O sistema, disponível online, permite que as organizações façam, de forma gratuita, uma autoavaliação sobre suas capacidades de atrair, gerar e aplicar recursos de forma eficiente para geração de impacto social.
Rodrigo Alvarez, diretor-executivo da Mobiliza, explicou que a avaliação levanta aspectos fundamentais da sustentabilidade de uma organização em quatro frentes: a) gestão & governança, b) identidade & inovação, c) comunicação & transparência e d) modelo de financiamento sustentável. A partir das respostas, é gerado um índice de cada um dos aspectos em comparação com outras organizações e, assim, poderá identificar pontos de desenvolvimento.
“Levantamos várias ferramentas e testes já existentes para avaliar o desenvolvimento institucional das organizações e identificamos na plataforma os elementos que são os pontos principais, os de ‘acupuntura’, que elas precisam se ater para se fortalecer e captar recursos. A expectativa é que elas possam, com o tempo, a partir desse diagnóstico, redirecionar suas ações em busca da prosperidade”, ressaltou Rodrigo.
Durante um período de três meses, as organizações que se cadastrarem irão ajudar a validar os indicadores, tendo em vista a expectativa de aprimoramento da plataforma para o lançamento da versão final em 2018, com novas funcionalidades e ferramentas, como relatórios específicos e aprofundados por temáticas. As organizações que quiserem participar da etapa de testes já podem se cadastrar e deverão preencher seus dados de contato (clique aqui).
O evento marcou também o lançamento do segundo fascículo da Coleção Mobiliza, que traz à tona uma série de reflexões e casos do campo social que podem contribuir com a ampliação da concepção do tradicional plano de mobilização de recursos. O desafio proposto é pensar quais os modelos disponíveis hoje e seu alinhamento com o propósito das OSC para garantir sustentabilidade institucional.
“Muita coisa mudou nos últimos anos e a proposta é entender se as organizações estão aproveitando esse movimento para se repensar, mas ao mesmo tempo pensar isso com profundidade, olhando para o seu modelo de financiamento de forma autêntica. E é sobre isso que a revista fala”, enfatizou Rodrigo.
Contexto atual
No primeiro momento do debate, os especialistas presentes puderam analisar e traçar um panorama sobre o contexto atual, as oportunidades e desafios para a sustentabilidade das organizações.
Celia Cruz lembrou que, ao longo dos anos, esse contexto foi se alterando. Já existiu um momento em que as empresas criaram seus institutos e/ou fundações descolados do negócio e voltados para as ações nas comunidades, o que ajudou a construir e fortalecer as ações das OSC, com agendas inovadoras e questionadoras. Porém, esse movimento mudou e, cada vez mais, as empresas têm criado suas próprias agendas. O Censo GIFE, por exemplo, mostrou que 43% dos associados , predominantemente, executam seus próprios programas e apenas 24% apoiam institucionalmente as OSC. Ao mesmo tempo, há poucos editais públicos disponíveis e parcerias com governos estão cada vez mais difíceis pela falta recursos.
No momento atual de crise, é preciso ver as oportunidades disponíveis, apontou Fábio Deboni. Isso significa olhar outras dimensões que, normalmente, ficam em segundo plano, ou seja, recursos que vão além do financeiro, como rede de contatos, talentos, parcerias etc. As iniciativas precisam se valer disso também.
Na opinião do diretor-presidente do Doutores da Alegria, Luis Vieira da Rocha, um ponto fundamental para qualquer organização se manter e até crescer mesmo em situações críticas, como a atual, é ter estabelecido uma comunicação mobilizadora com a sociedade, ou seja, construir uma comunicação virtuosa e propositiva.
“Procuramos sempre acertar neste canal de relacionamento com a comunidade desde o início e os impactos percebemos no nosso dia a dia. Tivemos até um aumento das doações no último período. Vimos que os doadores estão escolhendo as organizações mais sólidas, transparentes e bem geridas”, comentou Luis Vieira da Rocha.
Garantir o envolvimento de todos da equipe também é ponto fundamental, destacou Val Rocha. No Instituto Elos, quase 100% dos profissionais se mobilizam para captar recursos. “Claro que o vocabulário não é o de todos, mas trabalhamos a partir do nosso propósito e faz parte disso um novo modelo de relação com o dinheiro. Sabemos que para mudarmos o mundo não vamos fazer isso sozinhos e, portanto, todos precisam discutir que recursos queremos, para qual finalidade e como vamos usá-lo”, apontou.
Novos modelos
Danilo Tiisel, advogado e diretor da Social Profit, lembrou que se na década passada a única modelagem possível era a associativa ou fundacional, hoje, há uma gama de possibilidades, como a chegada dos negócios de impacto. Há também diversos modelos híbridos, em que as OSC contam com empresas que revertem 100% do lucro nos trabalhos da organização, ou OSC que prestam serviços como meio para garantir sua sustentabilidade, entre tantos outros.
“Acredito que a discussão agora deva ser menos qual o formato jurídico, mas se de fato essa iniciativa traz mais impacto para resolver problemas sociais. Hoje tem surgido novos pools de capital que podem ajudar a financiar iniciativas de inovação social. Trata-se de modelos em que é possível fazer impacto e, ao mesmo tempo, garantir performance financeira. Precisamos criar novos modelos mentais em que seja possível essas aproximações, de fazer junto mesmo. Não é algo como as OSC fazem e os negócios dão escala, mas como essas iniciativas estão de fato somando esforços”, destacou Celia Cruz.
Nessa quebra de paradigma, a diretora do ICE lembrou que já estão disponíveis diversos novos mecanismos e instrumentos financeiros inovadores para levantar recursos, como o crowdfunding – financiamento coletivo -, o crowdequity – em que você vira sócio de um pequeno negócio de impacto –, os social impact bonds, entre outros.
“A possibilidade de termos agora os negócios de impacto, por exemplo, é mais uma opção. Precisamos ter claro que não se trata de uma evolução, por exemplo, da atuação das OSC ou que seja melhor ou pior. É sim mais uma oportunidade e alguns vão financiar ou não. Mas é uma discussão inclusive ainda complicada no campo do investimento social privado. Por que como uma fundação que apoia negócios de impacto contabiliza esse retorno financeiro? Não é fácil. É uma reflexão que está no radar dos institutos e fundações”, comentou Fábio Deboni.
Para o Doutores da Alegria, por exemplo, a aposta foi sempre um modelo de financiamento híbrido para garantir a sustentabilidade nestes 26 anos de atuação, com a preocupação de manter o seu propósito e missão como ponto central. A organização realiza iniciativas em empresas – como a Certificação Riso 9000 -, oferece palestras, cursos de formação, promove a atividade Doutores Conta Causos, além de ter vários projetos apoiados via leis de incentivo, como a Rouanet e o Proac, e promover marketing relacionado a causas com algumas empresas.
“O segredo é a diversificação das receitas e a identificação constante de novas oportunidades”, ressaltou Luis, lembrando que há sempre alguns limites que devem ser estabelecidos nessa relação. No caso do Doutores da Alegria, por exemplo, não são realizadas ações de distribuição direta de produtos ou alimentos a crianças, entre outras regras que precisam ser estabelecidas a priori.
Já no caso do Instituto Elos, esse olhar para novas oportunidades a fim de levantar receitas diversificadas para garantir o trabalho da organização veio ao longo do tempo. Veio a partir da constatação de que, para conseguir promover a transformação que desejam no mundo, precisariam envolver novos atores sociais.
Hoje, o Elos também presta serviços para outras instituições, utilizando a Filosofia Elos e a metodologia do Jogo Oásis para promover melhores relacionamentos comunitários e formação de lideranças. “A questão é sempre manter o equilíbrio para que possamos também ter tempo e energia para criar novas soluções e podermos também aplicar ao nosso propósito”, ressaltou a coordenadora de Relacionamento da organização.
Confira
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Fonte: Mobiliza Consultoria